domingo, 8 de dezembro de 2013

Dando Defeito

Então bebi cicuta
eu já jaziado
blues etilizado
e comi de uma farofa
esquisita enquanto
as folhas esmagadas
me desciam na garganta.
No mesmo dia, antes
quis dar o nó no lençol,
a voz presa no quarto andar de um hotel fuleiro
gritando as agulhadas
e os papos com as cortinas secas de gelo.
E tinha um quadro cheio de comprimidos
para esconder aquilo que eu tinha visto na parede:
a sombra de um fígado
desenhado chamando meu nome,
a cicuta dando defeito
e eu já engasgado.

Flávio Corrêa de Mello

domingo, 1 de dezembro de 2013

Modo de Máquina

Não vejo.
estou modo de máquina
no teclado de razões
e rumos e ruídos e mensagens.

Obtuso, obscuro, esquivo,
saltando poças e esquinas,
jogo de amarelinha

com Fernando Pessoa
levando minhas porradas.

Pois em modo de máquina
- o egoísta que sou!
há mais outras ferroadas,
ali é lei de seca,
o ops! que se enganou,
era para narrar e dissertou.

Mas aqui correm veias,
sangue e poréns.
É dente trincado, dente afiado:
Todo direito ao Direito!
Toda lei é Hamurabi!
Todo, me devoto ao grande foda-se.
Mas quando fujo no backspace,
me vejo só no meu modo de agora.


Flávio Corrêa de Mello

Papel branco, tinta negra

Mesmo se a folha é branca,
é preta a tinta que ali se crava,
negra como as cicatrizes
na pele da chibata.

E se um dia me digo
que não sou do papel onde escrevo
e afio o grafite de mãos negras,
é porque eu me conheço
na carne dos lábios
a consciência de riscar
preto sobre branco,
um enredo de livro
que somente a faca,
o sangue e o grito,
um dia poderá mudar.

Sigo os rumos das palavras:
setas de arco e flecha na floresta,
zangaia, martelos e moitarás,
sete folhas me fecham o corpo
e os atabaques nos pés descalços
(ainda descalços...)
Òké Aro!!! Arolé!Òsóòsi

E quando a rasteira passa o guizo,
o caminho é alto para quem sobe
e no lombo é a vala que desce
é porque, então, me alfabetizo
na volta que o mundo deu,
na volta que o mundo dá
o que me vale são as preces de hoje,
e os poemas de cor e dor
são minhas armas de me arriscar.

Flávio Corrêa de Mello.