sábado, 2 de junho de 2012

William e eu

William Bourroughs 
era viciado em inseticida,
naked lunch e suruba em Álger,
ele era verde e definhou sozinho 
um terno preto num pequeno quarto de hotel,
os lençóis brancos com a marca de ferro queimado.

Um dia olhei no espelho 
e vi as bolas verdes
que me saíam dos olhos
e preferi descer pelo ralo.
Um dia isso quase me matou
e deixei naked lunch
na prateleira das aparências,
me arrumei e fui ao clube.

Lá, eu almocei e meus olhos
incandesceram os olhos
de todos Williams da rota 66,
blue label, total harmony in taste,
e todas as histórias que ouvi
são meus planos de arquiteto de ilusão.

E alguns menos falidos,
meus amigos, uma rede de vivos,
me contam como deixar o riscado de criança
e a ser bronze esculpido,
não em pó de insetida,
mas na compreensão
que depois da lua vem o sol
e do sol vem a lua
e apenas isso se repete
diariamente no abraço
e beijo que trocamos, nus,
almoçando os pratos da vida.

Sábado de High Way to Hell

Pela manhã o gosto do café.
Sábado lá fora: céu de outono, 
vento na janela, o cinzeiro
e o relógio derretendo
os tempos esquecidos.
Arrumo os apetrechos:
pinho sol, água sanitária,
lutra móveis, roupa no varal.
Desembrulho lentamente os ossos,
a junção das vértebras.
E digo, voz alta, semi-tonal:
Isto tudo é meu: o sol
e o sal, o cream-cracker,
as contas, o aluguel.
Um choro de criança piolhenta
não cessa o latido do cachorro
que esgano ontem, hoje, amanhã
é domingo de almoço na Tijuca.
Enquanto isso o pastor que mora embaixo,
no seu cubículo de imprecações,
chora cobre, chora aço,
sofre, blasfema, agoniza
no térreo a bactéria que o corrói.
Não o ouço, o aspirador de pó
vocifera High way to Hell
e bato mais forte a vassoura
espalhando cinzas e pragas.
Rapidamente o sol se põe,
o corpo quente agora dormita,
secam-se as veias,
um banho frio me alivia,
o sábado apenas começou.

Doctor Jerkyll! nice to meet you too.


O que se tem é um pouco de sal,
um pouco de creme dentifrício
e este poema cheio de sonhos,
resvalado nas asas do sol
quando ele descai no mar
e encera o teu nome
na mesa da cozinha,
reciclando macarrão bolonhesa
para no dia seguinte misturá-lo
com um pouco de realidade.

Assim o silêncio assoma
e há o ronronar das gengivas,
a picada do mosquito,
a cela do vídeo, a carcaça
dos estalos da casa.

Aqui dentro ensaio o genocídio.
desenho passo por passo a lápide,
e acordo o monstro adormecido:
Doctor Jerkyll! nice to meet you
too.