sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Marcelino, marceneiro e seu RASIF


O livro RASIF, de Marcelino Freire, me assombra — é muito violento no meu cérebro — as histórias ali narradas, dialogadas, vividas, são de um conteúdo violentíssimo tanto nos enunciados, nos começos, como nas possibilidades de escapadas, de resoluções que caminham para um amor mágico, enorme. Me assombra também, porque ao sair do lançamento lá na livraria do Odeon, aproveitei a viagem de metrô para adentrar na leitura. Estava cansado, com os olhos pregando nas pestanas, mas o livro me acordou e me estatelei somando cada quebrada e cada barulho de trilho rangendo ao ritmo cadenciado da escrita de Marcelino. No dia seguinte, retornei ao centro, novamente viajando no metrô lotado, num roça-roça irrespirável, apenas com o espaço das costas alheias, o suficiente para ser rebentado por RASIF mais uma vez — ainda assombra porque é minha sombra, pesadelos e angústias que estufam meus alvéolos pulmonares em dias atuais de constantes incertezas mal digeridas.

Há como sintetizar as sensações que provei no texto de abertura Da Paz: senti uma diástole expandindo um crescente de sofrimento, de escansões silábicas (algo que permeia toda sua literatura rica em aliterações, sonoridades e ritmo) de conjecturas a cerca do real, das necessidades mais básicas de uma personagem que sofre na carne perdas e tem a pujança, a sapiência de, na sua simplicidade — aliás, outra antítese e completude, característica de Marcelino —, acatar o único movimento seu possível e cistólito: a paz, a letárgica paz, a paz que se fode em alguns de nós.

É nas poeiras, na pedra e na poeira mínima que Marcelino modela uma literatura muito generosa para o leitor — ou seria melhor o escutador, porque, ai! esses contos são para serem lidos e sim! escutados de uma voz líquida e ríspidas nos [é’s], nos balanços da fala. Tenho de retomar o fio, o caminho da poeira marcelinesca, desse marceneiro de simplicidades, de simples cidades, de personagens econômicas que através de uma única voz monologada — por vezes duas — que me fez ser cúmplice, que me fez pegar no paralelepípedo e na corda, na boca da lavadeira, ou dar um grito diante de um sinal. Eu não precisei de parágrafos de abertura, de Mansfield ou de O’Connor ou de Pound ou de o escambau, nem da minha hipocondria, mania minha de morrer doente todos os dias. Estava ali tudo bem dito, bem teatralmente resolvido e conciso, as psicologias, as nuances. Sim, posso me lembrar de alguém ao ler diametralmente Marcelino-marceneiro, lembro e vejo um Blanc, um Aldir, outro cara bem capaz de miscigenar as almas das personagens, expondo-as na lisura de um dedo de espuma do copo de cerveja.

Há um conto que é um delírio, caramba, um delírio mesmo. É Roupa Suja. Me pareceu que todas as personagens dos contos aparecem ali. Todas em busca de um prêmio, de um sonho, de uma batalha que dê algum resultado, que atinja o objetivo. Pois, na verdade estamos todos por/atrás do sabão que a lavadeira conduz na limpeza desse mundo cão. Caramba, e ela consegue, se dá bem. Maravilha. Mas, eu aqui não vou alongar, não vou descrever ou resenhar, vou deixar por conta de quem quiser descobrir e brilhar. A única coisa que vou então acrescentar é que vale muito mesmo.

Bem, no mais o livro está muito bonito (como todos do marceneiro) bom acabamento, superbamente ilustrado por Manu Maltez que de preto preencheu com gravuras os contos — aliás, por si só as gravuras merecem um post.

Bem, no mais again, parabéns para o marceneiro Marcelino por mais um livro. Parabéns para nós que podemos lê-lo.




Algumas fotos do lançamento, gentilmente cedidas por Vó Jacy:


Marcelino



A "festa" rolando.



Da esquerda para a direita: Moutinho, Vitória, Ponce e sua gatinha, Diana e eu.



O autor e o blogueiro

Aproveite e curta esse vídeo de Marcelino lendo o conto Da Paz:



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